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A Lei Anticorrupção e os aplicativos de Compliance |Pt 3

Este artigo é uma continuação de outros dois, para lê-los, clique aqui




3. BREVE PESQUISA DA CORRUPÇÃO NA HISTÓRIA BRASILEIRA

A palavra corrupção tem origem na palavra latina “corruptio”, conforme a recorrida etimologia, “corromper” tem sua origem no Latim “corrumpere”, da morfologia “com”, que é um intensificativo, combinado com rumpere, “quebrar, partir, arrebentar”. Mais que arrebentar, é estragar.

Corruptio optimi pessima est" é uma frase latina, um ditado, que traduz-se literalmente por “corrupção do melhor é o pior”, seu significado na perspectiva brasileira foi esboçada pelo Doutor Troste[r49]:

O ditado acima, em latim diz que a corrupção das melhores coisas as transforma nas piores. Vale para a política, o crédito, a economia e as condições de bem-estar de um País. O Brasil tem os requisitos para ser um paraíso: é uma terra de oportunidades com recursos naturais abundantes, capacidade empresarial, clima bom, máquinas prontas para produzirem, estoques baixos e um comércio moderno. Mesmo assim se tornou um pesadelo para parte expressiva da sua população. (TROSTER, 2017)

A corrupção no Brasil, sem dúvida, não foi uma invenção dos brasileiros, mas uma herança da condição humana que foi imposta pelos seus governantes desde o período colonial, conforme-se averiguar-se-á.


3.1 O JETINHO BRASILEIRO

A corrupção é um tema caro aos brasileiros, o sentimento patriótico da nação tem uma fenda incurável de descrédito das próprias instituições, ao mesmo tempo em que reconhece o problema cultural da corrupção, também chamado de “jeitinho brasileiro”.

Luis Roberto Barroso, Ministro do Supremo Tribunal Federal do Brasil, em artigo intitulado Ética e jeitinho brasileiro (2017), defende[50] que, no sentido positivo o jeitinho fala da capacidade criativa do brasileiro de resolver os problemas, mas no sentido negativo fala da malandragem e da corrupção:

Jeitinho brasileiro é uma expressão que comporta múltiplos sentidos. Na sua faceta positiva, o jeitinho se manifesta em algumas características da alma nacional: uma certa leveza de ser, que combina afetividade, bom humor, alegria de viver e uma dose de criatividade. Este é o lado bom, que deve ser preservado.

O jeitinho constitui, também, um meio de enfrentar as adversidades da vida. Está muitas vezes ligado à sobrevivência diante das desigualdades sociais, das deficiências dos serviços públicos e das complexidades legislativas e burocráticas. Há um critério relativamente singelo para saber se o jeitinho é aceitável ou não: verificar se há prejuízo para alguém ou para o grupo social. Se a resposta for afirmativa, dificilmente haverá salvação.

A face negativa do jeitinho é bem conhecida de todos nós. Ela envolve a pessoalização das relações, para o fim de criar regras particulares para si, flexibilizando ou quebrando normas que deveriam se aplicar a todos. Esse pacote negativo inclui o improviso, a colocação do sentimento pessoal ou das relações pessoais acima do dever e uma certa cultura da desigualdade que ainda caracteriza a vida brasileira. (BARROSO, 2017)

Barroso resume o jeitinho brasileiro, em tom pejorativo, da mesma forma que outra pessoa poderia mensurar a corrupção: “a pessoalização das relações, para o fim de criar regras particulares para si, flexibilizando ou quebrando normas que deveriam se aplicar a todos”. Não é esta a definição da corrupção no Brasil? A confusão entre o público e o privado? A República, do latim res pública, significa coisa pública, mas há muito tempo no País os governantes e os grandes empresários tratam o Brasil como se fosse uma oligarquia[51] ou uma plutocracia[52].

O Estado que não distingue entre o público o privado é denominado de patrimonialista, logo o Estado é um patrimônio do seu governante, isto é, ele é, na prática, dono do Estado, em outras palavras, ele não serve ao Estado, mas é por ele servido.


3.2 A CORRUPÇÃO NO IMPÉRIO


Quem furta um pouco é ladrão. Quem furta muito é barão. Quem mais furta e mais esconde, passa de barão a visconde.” Expressão popular no século 19 no período do Brasil Império. 



O crime de contrabando era condenável pelo mesmos que se beneficiavam deles. Isso parece, numa análise rasa, uma impossibilidade, pois não se pode ganhar enquanto se cerceia, em tese isso faz sentido, mas a grande questão que se coloca não era a importância do crime cometido, mas quem cometia, conforme Pijning (2001)[53], havia o contrabando permitido extraoficialmente e o contrabando condenado oficialmente. Com base nos argumentos de Moutoukias[54], Pijning defendeu que “o contrabando foi incorporado pela organização jurídica, econômica e social do império, que afirmava e não contradizia a autoridade real” (Idem).

Pijning vai além, baseando-se em densa pesquisa compreende que o contrabando foi “inerente à economia do Atlântico pré-moderno, atuante em todos os aspectos da sociedade luso-brasileira, assim como em qualquer outra parte da Europa, África e das Américas”. (Idem)

Se o contrabando era um fenômeno aceito e onipresente, como explicar o fato de que algumas pessoas eram de fato processadas e condenadas?

Para responder a tal questão, é necessário distinguir entre dois tipos de contrabando: o que era tolerado pelas autoridades e o que estava sujeito a uma condenação universal. O comércio ilegal tolerado era um comércio controlado, permitido pelas mesmas pessoas cujas funções oficiais pressupunham exatamente combatê-lo. Em outras palavras: era mais importante quem praticava o comércio ilegal e não quanto ele era praticado, ou seja, a qualidade vinha antes que a quantidade. Ao analisar por que algumas pessoas eram perseguidas e outras não, procuro demonstrar onde reside a fronteira entre a tolerância e a condenação, indicando que tais limites eram muito mais definidos pelo status dos envolvidos do que por questões éticas ou morais. Assim sendo, o que determinava o status, coletiva ou individualmente? O status pode ser examinado em três diferentes níveis: em primeiro lugar, o internacional, isto é, a negociação realizada em uma esfera de Estado visando a envolver-se em atividades ilegais; em segundo lugar, os meios metropolitanos para influenciar o fluxo do comércio ilegal e, por fim, o interesse regional em colônias e na formação de alianças para perseguir e regulamentar o comércio ilegal.

Tão estrutural é a ideia de relação de causa e efeito como a única forma de relação possível, que Barroso[55] descreve:

O sentimento pessoal acima do dever se manifesta no favorecimento dos parentes e dos amigos, no compadrio, na troca de favores, "o toma lá dá cá". A cultura da desigualdade expressa a crença generalizada de que as regras são para os outros, para os comuns, "e não para os especiais como eu". Vem daí a permissão para furar a fila ou parar o carro na calçada. (BARROSO, 2017)

Esta expressão “toma lá dá cá” também pode ser substituída pela palavra “barganha”. A palavra barganha tem sua etimologia no antigo Francês “bargaignier”, que significa[56] “discutir o preço”. Neste sentido, “discutir o preço” é o que todo corrupto quer. O poder que o dinheiro traz dá ao indivíduo a sensação de ser dono das pessoas. A corruptibilidade da natureza humana foi confirmada por Friedrich Nietzsche[57] “(...) para cada homem existe uma isca que ele não consegue deixar de morder”.


3.3 A CORRUPÇÃO NA REPÚBLICA VELHA




Logo na gênese da República, em novembro de 1891, já na fase constitucional do Governo de Marechal Deodoro da Fonseca, o primeiro presidente do Brasil, após uma conturbada eleição, não sabendo lidar com a oposição que o ameaçava de entrar com um processo de impeachment, acusando o governo de corrupção, resolveu fechar o Congresso, calando os denunciadores dos escândalos. (VILLA, 2011)[58]

A “Prática da Degola” foi amplamente utilizada nas primeiras décadas da Velha República, como forma de manutenção de poderes da oligarquias.

A prática da degola foi uma das mais conhecidas fraudes eleitorais realizadas durante as primeiras décadas da república. Essa corrupção eleitoral foi alicerçada com a criação da Comissão Verificadora de Poderes, que tinha o objetivo de contribuir para a eleição dos candidatos indicados pelos coronéis. Diante disso, essa comissão impedia que muitos candidatos vitoriosos nas urnas assumissem o cargo, pelo fato de eles não terem sido indicados pelos ricos fazendeiros e, por isso, eram “degolados”, ou seja, impedidos de tomar posse.(SANTOS) [59]




A popular expressão “voto de cabresto” teve origem nesta época. Este sistema era uma forma de manutenção das oligarquias, conforme Valesco:

A política na Primeira República era mantida pela grande orquestra de interesses do coronelismo. Os grandes oligarcas a fim de manterem seus lugares privilegiados na sociedade e garantindo o poder de decisão em suas mãos, para além da fraude com os votos de cabresto, ou a compra dos votos, e mesmo a violência para convencimento, detinham outras táticas e acordos nacionais como a Política Café com Leite e a Política dos Governadores que inviabilizavam reais mudanças estruturais na sociedade brasileira. (VALESCO)[60]

Figura 1 Diagrama: voto de cabresto





Estes são os Governo, na República Velha que usaram o sistema da política do voto de cabresto, sendo Campos Salles o criador do sistema:

1) 1898 a 1902 - Campos Sales

2) 1902 a 1906 - Rodrigues Alves

3) 1906 a 1909 - Afonso Penna

4) 1909 a 1910 - Nilo Peçanha

5) 1910 a 1914 - Marechal Hermes da Fonseca

6) 1914 a 1918 - Wenceslau Brás

7) 1918 a 1919 - Delfim Moreira

8) 1919 a 1922 - Epitácio Pessoa

9) 1922 a 1926 - Arthur Bernardes

10) 1926 a 1930 - Washington Luís

Mas não era apenas a recém proclamada República ou no Império que as relações escusas de barganha, poderiam servir exemplos do quanto questão da corrupção era estrutural. A relação de barganha é uma forma de corrupção, senão a sua progenitora.



3.4 CAUSA E EFEITO, A RELAÇÃO DE BARGANHA




A Corrupção é o efeito ou ato de corromper alguém ou algo, com a finalidade de obter vantagens em relação aos outros por meios considerados ilegais ou ilícitos.

O modelo de barganha é tão intrínseco na cultura brasileira que as principais religiões no País são justamente aquelas que lidam com este “toma lá dá cá”, entre o indivíduo humano e suas divindades.

O Dr. Abraão de Almeida[61], resumiu a relação de barganha no sentimento religioso de duas formas:

Há a religião divina e as religiões humanas. A divina é a religião "do alto para baixo". Nela Deus fala, i.e, oferece ao homem a graça salvadora por reconhecer a incapacidade humana de produzir obras de justiça. A religião divina é o plano de Deus para salvar o homem caído". As religiões humanas são" de baixo para cima ". Nelas o homem faz, i.e, oferece a Deus o produto de seu esforço, exigindo salvação (...). [62] (ALMEIDA, 1981, p.7-8)

Importante lógica foi feita nesta síntese, pois o sistema religioso de causa e efeito é similar ao da política, isto é, acredita-se que é preciso fazer um sacrifício para destacar-se dos demais, logo os humanos com suas religiões precisam pagar as suas divindades a fim de receber o que se deseja.

Quando a capital do Brasil saiu do Rio de Janeiro e foi para o Centro-Oeste do País, os políticos afastaram-se das grandes e principais metrópoles do País, tal qual os deuses no Olimpo estavam distantes dos mortais, conforme a mitologia grega, por eles temidos e servidos com oferendas e outras barganhas.

A lógica de Abraão de Almeida nos leva a pensarmos que o certo é que, assim como a religião deveria ser de cima para baixo, o Estado deveria funcionar de cima para baixo, independentemente das barganhas humanas.

Esta mesma lógica levou os Estados Unidos na decisão, já mencionada no primeiro capítulo, na página 23, deste artigo a concluir: “se o funcionário não tivesse outra escolha senão subornar, logo o suborno seria legal no país”, isto é, sem a barganha, o suborno, a corrupção, o “o toma lá dá cá”, as engrenagens do sistema não rodariam.

O que então na história diferencia a distância entre a evolução do Brasil e dos Estados Unidos no que se refere a corrupção? Seriam os brasileiros lenientes com a corrupção, consciente ou inconscientemente? Não, segundo Filgueiras[63], para ele a tolerância para com a corrupção no Brasil seria uma antinomia entre normas morais e práticas sociais

A tolerância à corrupção não é um desvio de caráter do brasileiro, uma propensão e culto à imoralidade, nem mesmo uma situação de cordialidade, mas uma disposição prática nascida de uma cultura em que as preferências estão circunscritas a um contexto de necessidades, representando uma estratégia de sobrevivência que ocorre pela questão material.

Houaiss[64], lexicógrafo brasileiro denomina a expressão filosófica antinomia, como sendo segundo

(...) a tradição cética ou em doutrinas influenciadas pelo ceticismo, tal como o kantismo, contradição entre duas proposições filosóficas igualmente críveis, lógicas ou coerentes, mas que chegam a conclusões diametralmente opostas, demonstrando os limites cognitivos ou as contradições inerentes ao intelecto humano. (Houaiss, 2001, p. 236)

A relação como meio de causa e efeito entre o cidadão e o Estado é chamado de patrimonialismo. Um dos notórios períodos de intensa necessidade de sobrevivência, por meio da relação de barganha, é o coronelismo.


3.5 O CORONELISMO





Este meio de barganha utilizado pelos poderosos para forçar os mais pobres, que por uma questão de sobrevivência aceitavam, em contraste com a moral, foi muito bem esboçado pelo padre Antonio Vieira em seu sermão de 1655:

Suponho finalmente que os ladrões de que falo não são aqueles miseráveis, a quem a pobreza e vileza de sua fortuna condenou a este gênero de vida, porque a mesma sua miséria, ou escusa, ou alivia o seu pecado, como diz Salomão: Non grandis est culpa, cum quis furatus fuerit: furatur enim ut esurientem impleat animam. (10)[65].O ladrão que furta para comer, não vai, nem leva ao inferno; os que não só vão, mas levam, de que eu trato, são outros ladrões, de maior calibre e de mais alta esfera, os quais debaixo do mesmo nome e do mesmo predicamento, distingue muito bem S. Basílio Magno (...) Os outros ladrões roubam um homem: estes roubam cidades e reinos; os outros furtam debaixo do seu risco: estes sem temor, nem perigo; os outros, se furtam, são enforcados: estes furtam e enforcam. Diógenes, que tudo via com mais aguda vista que os outros homens, viu que uma grande tropa de varas e ministros de justiça levavam a enforcar uns ladrões, e começou a bradar: — Lá vão os ladrões grandes a enforcar os pequenos. — Ditosa Grécia, que tinha tal pregador! E mais ditosas as outras nações, se nelas não padecera a justiça as mesmas afrontas! Quantas vezes se viu Roma ir a enforcar um ladrão, por ter furtado um carneiro, e no mesmo dia ser levado em triunfo um cônsul, ou ditador, por ter roubado uma província. E quantos ladrões teriam enforcado estes mesmos ladrões triunfantes? (..). Isto não era zelo de justiça, senão inveja. Queria tirar os ladrões do mundo, para roubar ele só. (VIEIRA, 1655, p.5)[66]

Victor Nunes Leal, que foi Ministro do STF em 1960, nomeado por Juscelino Kubitschek, mas afastado pelo AI-5, em 69, durante o Regime Militar, em seu livro, que nasceu de uma tese aprovação no concurso público para professor, chamado: “Coronelismo, Enxada e Voto”, fala[67] desta fase na História em que os fazendeiros, que detinham grande e desproporcional poder econômico, em relação aos trabalhadores, também chamados de coronéis, pelo seu poder moral e bélico, concedido pelo próprio Estado.

“O coronelismo era esta troca de proveitos entre o poder público, cada vez mais fortalecido, e o poder privado, em decadente influência dos chefes locais, sobretudo dos senhores de terra, no Brasil rural da transição do Século XIX para o XX”.

(...)

O trabalhador rural, sem educação, analfabeto ou semi-analfabeto, sem assistência médica e informação, quase sempre tem o patrão na conta de um benfeitor, sendo, portanto, ilusório esperar que esse homem tenha consciência de seus direitos como cidadão, que lute por uma vida melhor e que tenha independência política. (MARTINS, MOURA e IMASATO, 2011, p. 2) [68]

Ainda hoje, no século XXI, vemos a forte influência do coronelismo em algumas regiões do Brasil, Leal afirma[69] com propriedade que nenhuma medida foi seriamente tomada visando acabar com esta fase:

Esta estrutura continua em decadência pela ação corrosiva de fatores diversos, mas nenhuma providência política de maior envergadura procurou modificá-la profundamente, como se vê, de modo sintomático, na legislação trabalhista, que se detém, com cautela, na porteira das fazendas. O resultado é a subsistência do “coronelismo”, que se adapta, aqui e ali, para sobreviver, abandonando os anéis para conservar os dedos. (LEAL, 1997)

3.6 A REPÚBLICA NOVA




Com a Revolução de 30, pôs-se fim a república e iniciou-se a Nova República. Getulio Vargas assume o destino do Brasil inovando o Brasil em inúmeros aspectos, dentre os quais exigia-se o voto feminino, o sufrágio secreto e o voto feminino, além do “fim da corrupção”.

Após acusações pessoais de corrupção, nunca comprovadas, e ao “atentado da Rua Tonelero[70]”, Getulio suicidou-se em 54 com um tiro no peito, impedido o oposicionista conservador, Café Filho, sucessor à Faixa Presidencial, de fazer investigações mais profundas para averiguar se as denúncias de corrupção contra o Governo Vargas eram reais.

O suicídio e a comoção nacional retiraram qualquer clima político para tal. O “pai dos pobres” recebeu a tolerância dos brasileiros? Ou o meio político e midiático usou o fato para contornar a necessidade da investigação? Fato é que tanto Juscelino Kubitschek, J.K., quanto João Goulart, entusiastas do getulismo chegaram ao Poder.

J.K. foi acusado de ter, durante a construção da Capital do Brasil, Brasília, ter favorecido empreiteiras ligados a amigos políticos e superfaturado as obras de construção. Em artigo publicado pela agência Senado, esclarece-se este momento na História da política brasileira[71]:

JK também foi acusado diversas vezes de corrupção, desde os tempos em que exerceu o cargo de governador. Tais acusações se intensificaram no período em que foi presidente, principalmente devido à construção de Brasília, com denúncias de suposto superfaturamento das obras e favorecimento a empreiteiros ligados ao seu grupo político.
(...)
Outro caso polêmico em seu governo foi o da empresa aérea Panair do Brasil, acusada de manter o monopólio do transporte de pessoas e materiais enviados para a construção de Brasília. Durante a construção da nova capital, grande parte dos materiais e equipamentos utilizados na obra era transportada por aviões, pois ainda não havia estradas ligando a nova capital aos grandes centros urbanos.
Nessa época, a imprensa chegou a dizer que JK teria a sétima maior fortuna do mundo, o que nunca foi provado. Durante a campanha eleitoral de 1960, que escolheria seu sucessor, tais denúncias de corrupção em seu governo foram amplamente exploradas pelo candidato Jânio Quadros, que prometia “varrer a corrupção” do país. JK era acusado ainda pelos adversários de ter apoio dos comunistas. Jânio venceu as eleições em 3 de outubro de 1960, com apoio da União Democrática Nacional (UDN). (PONTUAL)

Surge então, no cenário nacional, a exótica figura de Jânio com o utilizando-se da imagem de combate à corrupção, lançando o popular jingle a seguir[72]:

Varre, varre, varre vassourinha!
Varre, varre a bandalheira!
Que o povo já 'tá cansado
De sofrer dessa maneira
Jânio Quadros é a esperança desse povo abandonado!
Jânio Quadros é a certeza de um Brasil, moralizado!
Alerta, meu irmão!
Vassoura, conterrâneo!
Vamos vencer com Jânio!

Após falecer, em 1992, a Policia Federal, na Operação Castelo de Areia[73], revelou que o presidente eleito sob a bandeiro do combate a corrupção, Jânio Quadros, tinha 20 milhões, em moeda não especificada, escondidos em conta no exterior, na Suíça.

O finado Jânio Quadros era um homem inteligente, astuto e sem dúvida escondeu muito bem os fundos que possuía no exterior. Duas conexões bancárias que ele tinha em Genébra são conhecidas, mas é provável que estes fundos estejam esperando em outro lugar[74].

Ainda, nos anos 60, após a renúncia de Jânio em 61, João Goulart assume a presidência por 3 (três) anos e é derrubado por um Golpe de Estado. Inicia-se o Regime Militar no Brasil.


3.7 O REGIME MILITAR





Houve, nos últimos anos, quem defendesse a volta do Regime Militar[75]. Saudosos da era do milagre econômico, diziam que não houvera corrupção nos governos militares. Talvez a impressão que parte daquela geração tem se deva muito mais à obstrução dos canais de denuncia que, especificamente, do combate a corrupção.

Em primeiro lugar, a censura impedia que denúncias contra integrantes do regime viessem a público. Se a população não sabia da existência de falcatruas, era pelo simples motivo de que a imprensa não tinha a liberdade hoje existente para investigar e denunciar. O outro motivo é que, como a sociedade civil estava impedida de se organizar democraticamente, não existiam instrumentos de controle nem órgãos de fiscalização efetiva sobre as ações do governo. (SASAKI, 2019)[76]

Neste mesmo sentido o Historiador Knack[77]:

Todo esse ativismo da ditadura pode levar à interpretação apressada e, infelizmente, bastante comum, de que “na ditadura não havia corrupção”. Essa é uma hipótese que não se sustenta diante da pesquisa histórica. A censura aos grandes meios de comunicação não permitia que a população conhecesse os casos de desvio de dinheiro público, exceto quando interessava ao regime. Na prática, a fala moralista voltada para a condenação de desfalques das fortunas públicas funcionou, ao mesmo tempo, como um recurso para perseguir inimigos políticos e foi uma tentativa de legitimar o governo autoritário. (2016, KNACK)

Além da questão do controle civil e midiático, a propaganda estatal, por meio de intensa reprimenda, tal qual viu-se por meio do Ato Institucional Nº 5, o famigerado AI-5, alardeava que não toleraria mais a corrupção. O Preâmbulo do Ato Institucional nº 1, de 9 de abril de 1964, já dizia:

CONSIDERANDO que a Revolução Brasileira de 31 de março de 1964 teve, conforme decorre dos Atos com os quais se institucionalizou, fundamentos e propósitos que visavam a dar ao País um regime que, atendendo às exigências de um sistema jurídico e político, assegurasse autêntica ordem democrática, baseada na liberdade, no respeito à dignidade da pessoa humana, no combate à subversão e às ideologias contrárias às tradições de nosso povo, na luta contra a corrupção, buscando, deste modo,"os meios indispensáveis à obra de reconstrução econômica, financeira, política e moral do Brasil, de maneira a poder enfrentar, de modo direito e imediato, os graves e urgentes problemas de que depende a restauração da ordem interna e do prestígio internacional da nossa pátria"(BRASIL, 1968) (GRIFO NOSSO)

“Embora não haja nenhuma denúncia de corrupção envolvendo diretamente os generais-presidentes, muitos outros militares e civis foram alvo de denúncias durante o regime militar” (MEMORIAIS DA DITADURA)[78]

Neste mesmo regime, instalou-se a Comissão Geral de Investigações, conhecida como CGI, prometia-se uma verdadeira caça aos corruptos, contudo foi apenas um instrumento do Estado contra adversários políticos, conforme lê-se em:

A Comissão Geral de Investigações (CGI) foi um organismo criado pela ditadura, após o AI-5, com o objetivo oficial de combater a corrupção. Foi a responsável por cerca de 3 mil processos, mas seus procedimentos eram secretos. Além disso, se houvesse suspeitas contra militares, seus casos não iam para a CGI – eram remetidos a comissões de investigação próprias das Forças Armadas, e não se tem conhecimento sobre o andamento dos processos ou suas conclusões.

Não havendo isonomia, se as suspeitas de desvios fossem cometidas por militares, não havia análise feita pela CGI, tal qual ocorria com os civis, mas “eram remetidos a comissões de investigação próprias das Forças Armadas, e não se tem conhecimento sobre o andamento dos processos ou suas conclusões. ”

Neste sentido, o portal Memoriais da Ditadura afirma, “mas desse montante [de processos] apenas 99 casos chegaram a algum termo, como confisco de bens dos envolvidos”

O Jornal o Globo, em matéria intitulada “Comissão de investigação arquivou denúncias contra amigos do regime, mas devassou contas de opositores”[79]. Brizola e João Goulart tiveam a sua vida devassada,

Já as denúncias contra José Sarney foram arquivadas e as suspeitas contra Antônio Carlos Magalhães foram engavetadas, antes mesmo de qualquer investigação.

A reportagem assinada por Guilherme Amado, que ouviu Fico[80], fala sobre como o Regime Militar lidou seletivamente como denúncias de Corrupção.

Sobre Sarney:

Em 9 de abril de 1969, pouco mais de três anos após José Sarney assumir o governo do Maranhão, o capitão de Infantaria Márcio Matos Viana Pereira entregou a seu comandante direto, em São Luís, um dossiê de 17 páginas, com 25 documentos anexados. Sob o título “Corrupção na área do estado”, o texto, escrito em primeira pessoa, elencava uma série de denúncias contra a administração Sarney. O relatório foi enviado ao braço maranhense da CGI, submetido à sede no Rio e arquivado meses depois, sem provocar investigações.

A comissão ignorou o documento, que, entre outras críticas, acusava Sarney e asseclas de superfaturar uma obra, desviar recursos de outra e pagar mais por um terreno da Arquidiocese, com o suposto objetivo de agradar ao clero.



O dossiê do capitão foi anexado a outro caso que a CGI analisava, sobre uma dispensa de licitação autorizada por Sarney para construir a estrada entre Santa Luzia e Açailândia. Nada foi investigado, e as acusações do capitão foram engavetadas. Ao arquivar o inquérito sobre a falta de licitação, o relator da CGI reconhece que Sarney errou e pontua que a dispensa ocorreu em “circunstâncias controvertidas”, mas conclui que não era atribuição da comissão reprimi-lo. (AMADO, 2014)