Pensão Alimentícia e Autismo: O impacto do diagnóstico, das novas necessidades e a proteção contra o retrocesso
- William Frezze
- 25 de nov.
- 5 min de leitura

Introdução
A discussão sobre a fixação e a revisão de alimentos ganha contornos muito específicos e delicados quando se trata de uma criança ou adolescente com Transtorno do Espectro Autista (TEA).
Muitos pais conhecem a regra básica do Direito de Família: a pensão depende do equilíbrio entre a necessidade de quem pede e a possibilidade de quem paga, resultando na chamada proporcionalidade. No entanto, quando surge o diagnóstico de TEA, essa conta matemática simples ganha uma complexidade humana e jurídica profunda.
Além do Código Civil, esses casos são iluminados por um verdadeiro "bloco de proteção": a Constituição Federal (art. 227), o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), a Lei nº 12.764/2012 (Lei do Autista) e a Lei Brasileira de Inclusão (Lei nº 13.146/2015).
Neste artigo, explicamos o conceito de "Fato Novo", como lidar com a limitação financeira do genitor e por que a rotatividade dos planos de saúde pode justificar custos com terapeutas particulares.
1. O Diagnóstico como "Fato Novo" e as Novas Necessidades
No Direito de Família, o valor da pensão não é imutável. O artigo 1.699 do Código Civil permite a revisão sempre que houver mudança na situação financeira de quem paga ou na necessidade de quem recebe.
Aqui entra o ponto central para muitas famílias atípicas: a descoberta do autismo é, juridicamente, um Fato Novo (Fato Superveniente).
Muitas vezes, a pensão foi fixada quando a criança era bebê. Anos depois, vem o diagnóstico. Esse fato gera, automaticamente, Novas Necessidades. O que antes era apenas alimentação e escola, agora se desdobra em:
Terapias multidisciplinares intensivas (Psicopedagogia, Fonoaudiologia, Terapia Ocupacional, Psicologia, ABA, Musicoterapia, etc.);
Medicamentos de alto custo ou uso contínuo;
Consultas frequentes com neuropediatras e geneticistas;
Necessidade de Acompanhante Terapêutico (AT) escolar.
Portanto, a descoberta do TEA é o gatilho legal que autoriza a mãe ou o pai guardião a entrar com uma Ação Revisional de Alimentos para majorar (aumentar) o valor, visando cobrir esses custos extraordinários.
2. O Trinômio em Chave Qualificada e a "Teoria da Aparência"
A necessidade da criança com TEA é qualificada. Não estamos falando de luxo ou atividades extracurriculares de lazer, mas de saúde e desenvolvimento.
Do outro lado, temos a Possibilidade de quem paga. É comum que, ao ser pedido um aumento na pensão, o alimentante alegue não ter condições, apresentando um holerite baixo ou declarando isenção de Imposto de Renda.
Nesses casos, o Judiciário aplica a Teoria da Aparência. O juiz analisa os "sinais exteriores de riqueza":
Carro que dirige e local onde mora;
Viagens e lazer ostentados em redes sociais;
Estrutura empresarial ou movimentação bancária incompatível com a renda declarada.
Se o padrão de vida aparenta riqueza, a Justiça pode fixar a pensão com base nessa realidade, e não apenas no papel apresentado, garantindo que o filho tenha acesso ao mesmo padrão de vida do pai.
3. "Mas e se o pai for realmente pobre?" O papel do Estado e dos Planos de Saúde
Precisamos ser realistas: a lei obriga à proporcionalidade. Se o pai realmente aufere apenas um salário mínimo, ele não poderá arcar com tratamentos de R$ 5.000,00 ou R$ 10.000,00, por mais que a criança precise. O Direito não pode exigir o impossível.
Nesse cenário, a família deve pagar o que for possível dentro da proporcionalidade, e a obrigação de custear o tratamento de saúde recai subsidiariamente sobre o Estado (via SUS) ou sobre os Planos de Saúde.
O problema da rotatividade e a importância do Vínculo Terapêutico
Muitas famílias possuem convênio médico, mas enfrentam um drama: a rede credenciada paga pouco aos profissionais, gerando uma alta rotatividade. A criança começa a terapia com a "Dra. Maria", cria confiança, e dois meses depois a "Dra. Maria" sai do plano, e depois entra a "Dona Joaquina". Para uma criança neurotípica esse cenário é normal, mas a depender da criança neurodivergente, além de ela não aceitar de imediato esse novo profissional, pode ter crises profundas, rejeição do tratamento, e paralisação em meses de trabalho ou até mesmo regressão.
Para o autista, o vínculo terapêutico (o rapport) é a base do tratamento. A troca constante de profissionais pode gerar regressão no desenvolvimento.
Por isso, a jurisprudência tem avançado para obrigar os Planos de Saúde (através de liminares) a custear o tratamento via reembolso integral ou pagamento direto a clínicas particulares de confiança da família, quando a rede credenciada não oferece o serviço com a estabilidade e a técnica (ex: Método ABA, MIG, Denver, etc.) necessárias.
Está com dúvidas sobre seus direitos
Receba orientações iniciais e entenda o que fazer no seu caso.
Solicitar orientação
Se o pai tem boas condições financeiras, esse custo pode ser partilhado na pensão, buscando os profissionais mais indicados para cada problema e que a criança melhor se adapte. Se não tem, o caminho jurídico é buscar essa cobertura contra o Plano de Saúde ou o Estado.
4. Vedação ao Retrocesso Social: A proteção do tratamento já conquistado
Este princípio é vital na defesa contra a redução da pensão.
A Vedação ao Retrocesso Social impede que direitos fundamentais já concretizados sejam retirados sem motivo gravíssimo. Se a pensão atual paga a psicopedagoga, psicóloga, a fonoaudióloga e a T.O. da criança, e ela está evoluindo, reduzir esse valor apenas por conveniência do alimentante significa cortar o tratamento.
Tirar a terapia de uma criança autista não é apenas cortar um gasto; é tirar a chance dela falar, de interagir ou de ser independente no futuro.
Tribunais de todo o país (como veremos abaixo) têm entendido que a manutenção do tratamento prevalece sobre a alegação genérica de dificuldade financeira ou constituição de nova família pelo genitor.
5. O que dizem os Tribunais? (Decisões Recentes)
A jurisprudência atual confirma a proteção ampliada à criança com TEA:
Nova família não reduz direito (TJ-MG): A constituição de nova família pelo pai não autoriza, por si só, a redução da pensão do filho com TEA, cujas necessidades são presumidamente maiores. (Apelação Cível nº 5010400-79.2023.8.13.0313, j. 24/01/2025).
Diagnóstico como prova de necessidade (TJ-MG): O simples diagnóstico de TEA já justifica a fixação de alimentos em patamar superior, visando o custeio de terapias. (Agravo de Instrumento nº 2846824-10.2023.8.13.0000, j. 15/02/2024).
Teoria da Aparência (TJ-MG): O Tribunal majorou alimentos observando que o padrão de vida do pai era incompatível com a renda declarada, garantindo o tratamento do filho. (Agravo de Instrumento nº 4306361-15.2024.8.13.0000, j. 17/02/2025).
Negativa de Redução (TJ-PE): Pedido de redução negado pelo tribunal, que reforçou que as necessidades especiais e a dedicação integral da mãe aos cuidados justificam percentual maior sobre a renda do pai (30%). (Apelação Cível nº 0043599-81.2022.8.17.2810, j. 15/02/2025).
6. Dicas Práticas para as Famílias
Se você vai entrar com uma ação (ou se defender em uma), organize a prova da necessidade:
Relatório Médico Detalhado: Peça ao médico que escreva não só "Autismo", mas quais terapias são necessárias, quantas horas semanais e as consequências da falta desse tratamento (risco de regressão).
Relatório das Terapeutas sobre o Vínculo: Se você usa profissionais particulares, peça relatórios explicando que a criança tem vínculo com aquela profissional e que a troca constante (comum nos planos) é prejudicial.
Planilha de Custos: Organize todos os recibos. Mostre que o valor pedido não é aleatório, é a soma exata da sobrevivência + saúde da criança.
Prova da Possibilidade: Reúna provas do padrão de vida do alimentante (fotos, redes sociais, bens).
Conclusão
Discutir alimentos para uma criança com TEA é discutir o direito a um futuro digno e autônomo. O diagnóstico traz novas necessidades que o Direito não pode ignorar.
Se o genitor tem condições, ele deve arcar proporcionalmente com esse custo, inclusive considerando o alto valor de terapias particulares que garantam o vínculo. Se o genitor não tem condições, o Direito de Família deve dialogar com o Direito à Saúde para que o Plano ou o Estado supram essa lacuna. O que não se admite é que a criança fique desamparada.
Se você enfrenta dificuldades na fixação ou revisão de alimentos para seu filho com TEA, procure um advogado especialista em Direito de Família para traçar a melhor estratégia para o seu caso.
Dr. William Frezze de Paula Advogado – OAB/SP 486.837




Comentários